Anestésicos Tópicos – Tudo que você precisa saber sobre manipulação, estabilidade, pH e concentrações de uso

Em nosso serviço de Suporte Farmacotécnico, recebemos diariamente diversos tipos de questionamentos feitos pelos assinantes. Podemos dizer que a campeã entre as perguntas de 2020 foi sem dúvida os problemas encontrados na manipulação de géis anestésicos aplicados em inúmeros procedimentos estéticos. Vamos conversar sobre anestésicos tópicos – tudo que você precisa saber sobre manipulação:
A preocupação se iniciou ao observar o uso de elevadas concentrações de lidocaína, associações de vasoconstritores e bases transdérmicas a essas fórmulas. Além disso, percebemos que a dispensação muitas vezes era feita para esteticistas, que não podem prescrever concentrações além dos MIPs.
Por isso, devido a grande demanda pelos géis anestésicos aplicados TOPICAMENTE para ação LOCAL e a dificuldade de estabilidade da fórmulas quando associado anestésicos e vasoconstritores, segue orientações gerais sobre o uso desses produtos:
1. A concentração de anestésicos mais elevada permitida em nosso mercado é a combinação de lidocaína e tetracaína (7%/7%), com venda restrita sob prescrição médica;
2. A concentração máxima permitida de lidocaína para ser vendida como MIP (medicamento isento de prescrição médica) é de 4% ou a combinação de lidocaína + prilocaína (2,5%/2,5%);
3. Considerando ainda que os anestésicos benzocaína (1%) e lidocaína não possuem dados de segurança em dosagens acima do que foi citado (7%), a formulação não deve ser manipulada (nem mediante prescrição médica);
4. Considerando que os profissionais que realizam o procedimento de micropigmentação de sobrancelhas não são médicos, em nenhum momento esse tipo de formulação pode ser dispensada a eles;
5. Em alguns casos, observamos a presença de facilitadores da permeação cutânea como DMSO e PHOSAL® e Transcutol® como também a utilização de base transdérmica para esse tipo de fórmula – esses agentes são facilitadores de permeação, e farão com que a droga atinja a corrente sanguínea de forma muito mais fácil. Por exemplo: caso essa formulação seja aplicada em uma área grande, ocorre o risco de parada respiratória no paciente.
A fórmula é para ação LOCAL. E você não usa a base transdérmica para os ativos atingirem a corrente sanguínea e terem efeito sistêmico? Então a intenção é fazer o anestésico ter absorção sistêmica? Não né!
Por isso não faz sentido usar esse tipo de veículo.
O veículo que está sendo bastante utilizado, inclusive para suportar o pH que essa formulação precisa estar, é o gel de Natrosol, creme não-iônico ou ainda uma pomada à base de vaselina.
5.1. A “remoção” do estrato córneo auxilia na absorção do anestésico, então procedimentos desengordurantes ou ablação podem ser utilizados.
6. Em relação ao pH da formulação:
Sugere-se ajustar o pH da fórmula para 9 – 9,5.
Para serem eficazes, os anestésicos tópicos devem atravessar as camadas superficiais da pele e alcançar as terminações nervosas da derme. A espessura do estrato córneo e o pKa (constante de dissociação para que o ativo esteja 50% ionizado e 50% não ionizado) de um anestésico determinam quão bem o medicamento tópico pode penetrar no estrato córneo.
Os anestésicos são bases fracas, e seus valores de pKa variam de cerca de 8 a 10. Quando entrar em contato com a pele, tanto forma ionizada como não ionizada estarão existentes. As formas neutras atravessam as membranas com facilidade e as formas com cargas positivas se ligam com muito mais afinidade ao sítio alvo.
7. Seguindo às concentrações máximas permitidas, deve-se aplicar o produto e deixá-lo agir por 40-60 minutos antes de realizar o procedimento, sob oclusão, uma vez que a pele intacta dificulta demais a penetração desses ativos.
8. Em relação ao uso de vasoconstritores para aplicação tópica:
8.1. O vasoconstritor mais comumente utilizado é a epinefrina.
8.2. Existem alguns lugares (internet em geral e estudos científicos) que citam o uso da epinefrina para reduzir o sangramento excessivo e prolongar o efeito do anestésico tópico, entretanto o uso da epinefrina para essa indicação segundo ESTUDOS CIENTÍFICOS é através da sua aplicação injetável e não tópica. Não confunda ação local como sinônimo de aplicação tópica.
A aplicação tópica terá efeito local, e a aplicação injetável (nesse caso) também será para efeito local, mas não tem a barreira do estrato córneo.
8.3. Os produtos comerciais que vendem anestésicos com epinefrina deixam bem claro para usar com “pele aberta/lacerada”, justamente pela falta de respaldo científico do efeito da epinefrina em pele intacta. Entretanto, em “pele aberta”, é seguro utilizar lidocaína a 20% como estão fazendo? E os riscos? É em uma pequena extensão de pele?
8.4. Outra informação importante sobre estabilidade do anestésico com epinefrina:
Como foi citado antes, o pH ideal para o anestésico fazer efeito é entre 9 e 9,5, porém nesse pH a epinefrina tem sua estabilidade alterada e oxida mais rapidamente e por isso muitas fórmulas voltam com cor escura.
Resumindo, o vasoconstritor é eficaz se aplicado de forma injetável, pois em pele intacta não existe estudos comprovando eficácia. Além disso, o pH ideal do anestésico acelera a oxidação do vasoconstritor.
Ainda em relação a dosagem de lidocaína
Existe poucos estudos que testaram o uso de 20% de lidocaína, porém precisa ser em pele intacta, precisa de oclusão e os resultados não foram melhores por causa do aumento da dosagem.
Existe um produto que é vendido pelos sites que usa essa dosagem (lidocaína 20%). Porém ele deixa bem claro.
- Pele intacta sem epinefrina ✖️
- Pele lacerada uso de epinefrina ✔️
Como ele estabiliza a epinefrina no creme com anestésicos 🤷♀️
Se você não ajustar o pH para 9,5 a epinefrina ficará estabilizada, porém o efeito anestésico poderá estar comprometido.
E ai? Essas informações ajudaram você a se sentir mais seguro na manipulação e dispensação dos géis anestésicos?
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